Cangaceiros e o Governo Vargas

Cangaceiros e o Governo Vargas

Os cangaceiros atacavam em bandos, saqueando, roubando e estuprando mulheres, espalhando o terror por praticamente todos os estados nordestinos. Mas havia também as interações entre os coronéis e os cangaceiros, com estes muitas vezes atuando como mercenários a serviço daqueles. Dentre os muitos cangaceiros que passaram pela história, o mais famoso de todos, Lampião, atuou nas décadas de 1920 e 1930.

Getúlio Vargas inicia seu governo ditatorial com um objetivo muito claro: acabar com as ameaças armadas ao seu governo, e isso significava dar fim aos cangaceiros e minar o poder dos coronéis.

O discurso para lidar com os cangaceiros era muito palatável à população, já que o caráter criminoso do movimento dava ampla justificativa à captura ou morte de seus líderes.

Mas como minar o poder dos coronéis?

1 – Vargas sabia que enquanto eles tivessem um poder bélico comparável ao do Estado, jamais conseguiria subjugá-los.
2 – Desarmá-los à força também não era uma opção viável, pois resultaria num conflito certo, e de resultados imprevisíveis.
A estratégia escolhida foi justamente a de culpar os cangaceiros, afirmando que as armas que eles usavam em seus crimes vinham dos estoques dos fazendeiros-coronéis, e a partir daí construir um programa de desarmamento baseado numa premissa “nobre”.
(É notável a semelhança com o discurso atual do governo, que afirma que as armas dos cidadãos de bem acabam nas mãos dos criminosos.)
Vale destacar um trecho do livro As Táticas de Guerra dos Cangaceiros, de Maria Christina Matta Machado, sobre um episódio da época: Em Umbuzeiro ele se encontrou com o Sr. José Batista, e notando nele semelhança com o então major Juarez Távora, cercou-o de gentilezas. (…) Lampião estava muito grato a uma atitude tomada pelo major Távora, que determinara o desarmamento geral dos sertanejos, vendo aí talvez uma solução para o fim do cangaço. Lampião agradeceu “a bondosa colaboração” que lhe foi prestada, porque poderia agir mais à vontade no sertão. Lampião desfrutou do mesmo benefício que os criminosos de hoje desfrutam: escolher as vítimas sem a preocupação de ser baleado ou morto durante o revide. Tudo graças à lógica invertida do desarmamento: entregue suas armas e você estará mais seguro. A primeira questão estava resolvida, e restava lidar com os cangaceiros. Pouco tempo depois, o governo Vargas os classificou como extremistas, autorizando a morte de qualquer um deles que não se rendesse. As forças nacionais apertaram o cerco a diversos grupos que compunham o cangaço, através de ações de perseguição, captura e assassinato. No dia 28 de julho de 1938, Lampião e sua mulher, Maria Bonita, foram mortos com mais nove cangaceiros numa emboscada, no estado de Sergipe. Depois desse episódio o movimento desapareceu rapidamente. É importante incluir neste ponto uma menção à derrota de Lampião em Mossoró, no dia 13 de junho de 1927.
O prefeito da cidade, Rodolfo Fernandes, sabendo que não poderia contar com a proteção de polícia ou do exército para defender os cidadãos dos cangaceiros, tomou uma atitude corajosa e inteligente: certo de que Lampião viria com seu bando para atacar e saquear a rica Mossoró, mandou que idosos, crianças e mulheres fossem retirados da cidade, e armou cerca de 300 voluntários que se dispuseram a lutar, distribuindo-os em pontos estratégicos, como torres de igrejas e telhados. Quando os cangaceiros chegaram, confiando que teriam mais um alvo fácil pela frente, foram recebidos por uma chuva de balas, e pouco tempo depois recuaram e fugiram, para não mais voltar.

O episódio é muito esclarecedor, no sentido em que mostra a eficiência do armamento.

O quão equivocada foi a decisão de desarmar os coronéis, do ponto de vista da segurança da população. Quantas mortes não teriam sido evitadas nos onze anos seguintes à derrota de Mossoró, se Lampião tivesse encontrado esse tipo de resistência – em vez de cidadãos amedrontados e desarmados – pela frente? Pode ter demorado oito anos para que Lampião fosse morto e o governo Vargas pudesse finalmente anunciar o fim do cangaço, mas o efeito devastador do desarmamento pôde ser sentido quase que imediatamente.
Uma história real exemplifica e ilustra o modo de operação do governo em relação aos coronéis, provando cabalmente que ninguém deve confiar em alguém que lhe queira tirar os meios de defesa própria.

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