Psicanálise Ontológica (Thomas H. Ogden) 🧠
Introdução
Ogden propõe distinguir duas sensibilidades na prática e teoria psicanalíticas: a psicanálise epistemológica (centrada em conhecer e compreender significados inconscientes) e a psicanálise ontológica (centrada em ser e tornar-se). Freud e Klein são referências principais da vertente epistemológica; Winnicott e Bion, da vertente ontológica.
A passagem do “saber sobre” para o “estar com” altera a meta clínica: menos a revelação de significados latentes, mais a viabilização de experiências que permitam ao paciente descobrir criativamente o que algo “significa” para si e, nesse mesmo processo, tornar-se mais plenamente vivo.
A pergunta fio do texto é winnicottiana: “O que você quer ser quando crescer?” — entendida como questão fundamental ao longo da vida, frequentemente implícita em quem busca análise.
Psicanálise Epistemológica x Ontológica
Dimensão Epistemológica
A psicanálise epistemológica é definida por Ogden como o processo de obter conhecimento do inconsciente, revelando significados latentes em sintomas, sonhos, fantasias e transferências. Freud descrevia a interpretação como a essência da técnica analítica, e Laplanche & Pontalis reforçam que a psicanálise poderia ser definida como “a revelação do significado latente”.
Melanie Klein exemplifica essa posição ao mostrar que o brincar da criança dá forma a fantasias e ansiedades inconscientes. A tarefa do analista é interpretar, transmitindo compreensões que organizam a experiência do paciente. A interpretação da transferência é central: o paciente revive no analista protótipos infantis, vividos com imediaticidade, e a análise permite reconhecer essa repetição. O risco é o aprisionamento em um circuito fechado, em que o presente é vivido como mera reedição do passado. A interpretação, quando bem-feita, pode interromper esse ciclo, favorecendo novas possibilidades.
Dimensão Ontológica
A psicanálise ontológica, por sua vez, tem como foco facilitar o tornar-se. Winnicott diferencia o play (conteúdo simbólico do brincar) do playing (a experiência do brincar). Para ele, o centro da clínica não é interpretar o que o brincar representa, mas sustentar a experiência de brincar como espaço criativo. A psicoterapia é descrita como a sobreposição de duas áreas de brincar, a do paciente e a do terapeuta. Onde não há brincar, o objetivo é possibilitar sua emergência.
Nesse registro, o papel do analista é mais de esperar e sustentar do que de interpretar. Winnicott confessa ter “impedido mudanças profundas” pela pressa em interpretar, e afirma que a verdadeira alegria é ver o paciente chegar a compreensões criativamente. A ênfase está em favorecer estados de ser, mais do que em transmitir conhecimento.
Convergências e Distinções
Ogden reconhece que os dois modos se entrelaçam: Freud, ao dizer que o analista deve “simplesmente ouvir”, descreve um estado de presença ontológico. Klein, ao interpretar ansiedades primitivas, também cria novos espaços de experiência. Ainda assim, as ações terapêuticas típicas são diferentes:
- Na epistemológica, a mudança ocorre pela transformação de significados inconscientes em conscientes.
- Na ontológica, pela possibilidade de viver estados de ser inéditos na relação analítica.
Estar Vivo e o Sentido do Real em Winnicott
Winnicott introduz estados de ser que não tinham nomeação anterior na literatura: “prosseguir sendo” (*going on being*), a mãe que “sobrevive” ao ataque do bebê, e a “preocupação materna primária”.
Talvez sua contribuição mais decisiva à ontologia seja a teoria dos objetos e fenômenos transicionais: uma área intermediária não contestada entre realidade interna e externa, espaço de repouso e criação onde se sustenta o paradoxo — o bebê cria o que está lá para ser encontrado.
Resolver o paradoxo (com “espertezas” conceituais) mata sua potência. O brincar é o modo privilegiado de experiência criativa compartilhada. Não se pergunta se o objeto é “criado” ou “apresentado”: a questão não deve sequer ser formulada - condição para que o fenômeno transicional exista.
Essa matriz ontológica sustenta a vitalidade da arte, da religião e da imaginação. Outro núcleo é o “self central não comunicante”, silencioso e “imune ao princípio de realidade”: no cerne, um mistério absolutamente pessoal (a “música das esferas”). Desse silêncio originário emerge a comunicação viva.
O trabalho analítico, nessa chave, visa proteger/viabilizar estados de ser, inclusive o brincar e o sonhar, tecendo “objetos não eu no padrão pessoal” sem violentar o paradoxo que os sustenta.
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