Sem Memória, Sem Desejo - Bion da Teoria à Prática

Sem Memória, Sem Desejo: Bion da Teoria à Prática

"Sem Memória, Sem Desejo" é uma das contribuições mais discutidas de Wilfred Bion na psicanálise. A citação se tornou central na forma como se conduz a postura analítica ao longo do processo terapêutico, embora, à primeira vista, possa parecer polêmica.

A Importância da Postura Analítica

Bion desenvolveu a ideia com base nos conceitos freudianos, especialmente a ideia de “cegamento artificial”, que é essencial para poder ver nos lugares mais obscuros da mente. Ele ressaltou a importância da atenção flutuante, mas também introduziu a ideia de “teorização flutuante”, onde o analista deve estar atento a conteúdos inéditos que aparecem, como fragmentos aparentemente insignificantes que podem ser peças essenciais para o processo analítico.

A Distorção pela Memória e Desejo

Quando nos deixamos dominar pela memória ou pelo desejo, o processo analítico pode se tornar cansativo. As memórias distorcidas pelo inconsciente e os desejos do analista, tanto conscientes quanto inconscientes, podem enviesar a leitura do que deve ser observado ou explorado.

O desejo de compreensão, tão comum em terapeutas iniciantes, pode levar à ânsia de interpretar as falas do paciente sem que ele esteja pronto para isso. Muitas vezes, conceitos e ideias “forçadas” tentam trazer conforto ao analista, mas em detrimento do processo terapêutico.

O Perigo do Desejo de Cura

Um dos maiores riscos no processo analítico é o “desejo de cura” do terapeuta. O analista, inconscientemente, pode esperar recompensas ou resultados pelos seus esforços, o que leva a um viés nas interpretações. Lacan observa que, quando o paciente busca ser o “desejo do desejo” do analista, o processo se compromete, conduzindo a regressões, falsos-selves e conluios inconscientes entre analista e paciente.

A Abolição da Memória e Desejo: O Objetivo da Análise

Bion sugere que o objetivo da análise não é extinguir completamente a memória e o desejo, mas alcançá-los de maneira que o analista possa ver além das distorções, permitindo que o paciente se conecte com sua verdade interna. Em vez de se prender ao desejo e à memória, o analista deve buscar um estado de sintonia empática com o paciente, permitindo a percepção do conteúdo não verbalizado.

A Intuição no Processo Terapêutico

Em vez de depender exclusivamente de julgamentos sensoriais, o analista deve se manter sensível ao processo do paciente, utilizando a intuição e a pré-emoção para guiar a análise. Isso pode ajudar a reconhecer emoções no paciente antes mesmo que ele as perceba.

Conclusão

A proposta de Bion não é a abolição de memória e desejo, mas a prática da “clivagem não patológica do Ego”, uma dissociação saudável do Ego que permite ao analista e ao paciente uma relação mais profunda e mais autêntica. Essa dissociação, ou espaço de distanciamento, é necessária para que o processo evolutivo aconteça sem os filtros de memória e desejo, permitindo que o paciente se conecte com aspectos mais profundos e intuitivos de si mesmo.

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