📜 O Açúcar - Ferreira Gullar | Poesia

📜 O Açúcar

Ferreira Gullar
Açúcar sendo colocado no café
O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre
Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim.
Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.
Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar.

📝 Análise do Poema

Ferreira Gullar constrói uma crítica social através de um objeto cotidiano - o açúcar. O poema revela a cadeia de produção oculta por trás de um simples gesto (adoçar o café), contrastando o conforto burguês de Ipanema com as condições desumanas dos trabalhadores rurais.

A estrutura do poema acompanha o percurso do açúcar: do açucareiro à mercearia, da usina aos canaviais, até chegar aos trabalhadores anônimos que morrem jovens sem acesso a direitos básicos. A repetição de "não foi feito por mim" enfatiza a distância entre o consumidor e a realidade da produção.

Trabalhadores em canavial

Canavial - origem do açúcar que consumimos

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